"Vamos voltar a níveis de crescimento na casa dos 2%", antecipa Rui Constantino, economista chefe do Santander, no episódio 4 do Tempo é dinheiro.
A pandemia teve grandes impactos na evolução da economia e nas decisões de investimento. Será que vai recuperar e ter um nível de crescimento superior ao que aconteceu antes da pandemia ou vai estabilizar nesse nível?
As previsões, nesta fase, são de crescimento acima dos níveis anteriores, porque estamos a sair de uma recessão profunda, de uma queda de 9%. Como efeitos do plano de recuperação, vamos voltar a níveis de crescimento na casa dos 2%, com um crescimento potencial de 1,6%.
Antes da pandemia, as perspetivas eram um pouco mais favoráveis. Mas, apesar de tudo a economia ainda tem um nível elevado de desequilíbrios. É preciso corrigir o rácio da dívida e aproveitar o programa de recuperação como um processo de transformação da economia. Evoluir na cadeia de valor, passando de uma indústria manufatureira para uma indústria de serviços, passar do custo para o valor acrescentado.
Nos últimos anos, os juros têm ajudado muito, mas o custo de financiamento do estado tem crescido. Será que esta situação se vai manter, de forma controlada, ou corremos um risco maior se as taxas aumentarem?
Esperamos uma subida das taxas, porque a descida que tivemos no passado decorreu de medidas do próprio Banco Central Europeu, do seu programa de aquisição de ativos financeiros, e do Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP). A aquisição significativa de volumes de dívida anulou, em grande medida, os riscos para a estabilidade financeira.
Com o crescimento económico, a subida das taxas é natural. O importante é estarmos atentos às dinâmicas e expectativas de inflação.
Os mercados estão preocupados com a inflação, mas há que ter em conta o ponto médio: houve um ajuste de preços relativos o ano passado porque houve uma queda forte, setores de atividade que pararam, e este ano está a acontecer alguma normalização dos preços.
É preciso perceber se haverá uma recuperação significativa do mercado de trabalho e aumentos salariais (que não é expectável, ou pelo menos aumentos salariais significativos), e se os próprios agentes económicos começam a incorporar essas expectativas.
Os custos de shipping, por exemplo, começaram a subir. Mas haverá um ajuste depois para um nível de preços adequado. Há uma queda forte de preço, depois uma subida de preço e depois estabilidade ou um crescimento muito alto que pode levar à inflação. Para já, não é essa a previsão. A transformação que aconteceu nos últimos anos aponta para riscos controlados.
Esta política de taxas de juros baixas acaba por criar dificuldades para quem está a fazer decisões de investimento. Taxas e spreads baixos trazem mais liquidez aos aforradores e crescimento significativo nos depósitos, mas também uma remuneração de zero, virtualmente. As pessoas confrontam-se com escolher depósitos a prazo, onde acham que têm garantias de 100%, ou produtos com um pouco mais de risco.
Temos de pensar também em função da distribuição do rendimento e da riqueza. O que aconteceu o ano passado foi um choque, mas perspetiva-se temporário. É natural que as pessoas mantenham uma parte do que pouparam em depósitos até que a situação normalize.
Portugal tem níveis de poupança muito baixos. Nas famílias que não tiverem um aumento significativo nas despesas, o primeiro passo é começar a incorporar o tema da poupança.
Depois, fazer o que devemos fazer com qualquer atividade:
Diversificar é importante, porque ter o dinheiro todo em depósitos cria um problema de concentração excessiva. Os bancos não precisam de mais depósitos, até porque essa liquidez não se materializa no crescimento do crédito e os bancos têm de suportar taxas negativas, que não podem passar aos clientes.
Seguindo estas orientações, as pessoas podem assumir mais risco no investimento de parte das suas poupanças. Não precisam de ter níveis de poupança muito altos, podem começar com montantes mais baixos – essa é uma estratégia.
Esta política de taxas de juro tem implicações adversas na rentabilidade, na margem financeira dos bancos. A margem financeira é a diferença entre o custo dos depósitos e o custo do crédito.
Os bancos, apesar de estarem a conceder créditos, estão a fazê-lo em menor dimensão face ao crescimento dos depósitos, que tem um custo para os bancos de 0,5%. E a banca não pode passar custos aos seus clientes. É verdade que há algumas medidas para mitigar isto junto de alguns clientes institucionais, mas a base dos depósitos está no retalho. E, do lado do crédito, os bancos têm de passar as taxas negativas aos clientes.
As pessoas queixam-se de que as comissões bancárias sobem porque os bancos não conseguem ganhar dinheiro com os créditos. Mas, tendo em conta as diferentes estruturas de funcionamento dos bancos, há vários custos a suportar.
Os bancos com um legado histórico têm custos para manter esse legado, que é essencial ao seu funcionamento. Ao mesmo tempo, têm de investir em tecnologia para acompanhar os bancos concorrentes que surgem no mercado. Bancos eletrónicos, que funcionam essencialmente online – como o Revolut, o N26 - que atuam no mesmo segmento, mas não têm os mesmos custos.
O Santander tem o seu próprio Open Bank e estamos a ver outros bancos comerciais a fazer esse desenvolvimento e essas estruturas não têm os custos de legado. Mas estão a fazer investimentos fortíssimos em IT, em sistemas. A pandemia veio acelerar este processo, as pessoas habituaram-se e querem ter o seu banco em todo lugar, a qualquer momento.
Para que isso seja possível, é preciso um investimento brutal em tecnologia, para permitir o acesso ao banco no telemóvel ou no computador, garantindo a segurança e a proteção dos dados.
Tudo isso tem de ser pago, como todos os serviços. Os próprios serviços públicos, que nós no dia a dia achamos que não pagamos, estamos a pagá-los indiretamente através dos nossos impostos.
As pessoas estão habituadas a ter uma série de serviços bancários gratuitos. A rede Multibanco, por exemplo. É verdade que liberta a rede bancária de uma série de operações manuais e de mais baixo valor mas, ao mesmo tempo, implica montar uma infraestrutura.
Enquanto consumidores, estamos sistematicamente a discutir o preço dos serviços que adquirimos. Queremos que os bancos prestem um serviço e não cobrem por isso, mas não pode ser, porque há custos em prestar esse serviço. Aquilo que temos de avaliar é se esse serviço tem o custo adequado.
Se pensarmos nos balcões físicos, por exemplo: alguns já não fazem sentido, porque estão em zonas onde as pessoas usam muito a banca online.
Por isso, a rede de balcões está a diminuir e a assumir, cada vez mais, um papel de aconselhamento e assessoria aos clientes, sejam aforradores, investidores ou empresas a tomar decisões de crédito. É aqui que está o valor acrescentado do serviço.
Teriam problemas de rentabilidade. Deixavam de investir em tecnologia e na qualidade e rapidez do serviço prestado aos clientes. Deixavam também de poder apoiar os empresários, porque não poderiam conceder créditos.
Apesar de tudo, na Europa, a banca é o principal financiador das empresas, não temos um mercado de capitais tão desenvolvido como noutras economias. Se os bancos não forem sólidos, se não puderem emprestar dinheiro nas condições adequadas, a economia também não será sólida.
Provavelmente, muitas das empresas que dizem que não têm acesso ao crédito, são empresas cujas condições económico-financeiras não lhes permitem aceder ao crédito. Os bons projetos de investimento, bem estruturados e bem apresentados à banca têm sempre crédito, em condições que justifiquem esse investimento.
Mas setores de atividade ou empresas cujo modelo de negócio não é viável dificilmente têm acesso ao crédito. E se canalizarmos crédito para setores ou atividades que não geram retorno no futuro, estamos a penalizar o crescimento económico e a cometer um erro.
O que devemos é canalizar os recursos para as atividades e setores que geram mais crescimento económico e, em última instância, mais emprego e mais riqueza.
Assistimos a um processo transformacional muito importante. Estamos sempre a dier que não precisamos dos bancos, mas precisamos. Os bancos têm um papel extremamente importante - é o local onde depositamos o nosso dinheiro e onde vamos pedir empréstimos. Não havia economia se não houvesse banca.
Os bancos mitigam os riscos que existem na economia. Mesmo nos mercados capitais extremamente fortes, como os Estados Unidos, por exemplo, os bancos estão lá a apoiar as empresas e as pessoas nos seus projetos.
Essa é a questão essencial - os bancos servem para apoiar as pessoas e as empresas no desenvolvimento dos seus projetos e na concretização dos seus fins.