A Associação VilacomVida acredita no potencial, talento e autonomia das crianças e jovens com Perturbações Ligeiras do Desenvolvimento Intelectual. A sua preparação e integração profissional é essencial para um mercado de trabalho mais justo e inclusivo. Filipa Pinto Coelho, presidente da direção da Associação Vida ComVida, explica-nos como.
A Associação VilacomVida está a mudar a vida de crianças e jovens com diferenças cognitivas e a contribuir para a criação de gerações mais dinâmicas e também mais autónomas.
A Associação VilacomVida nasceu em 2016, numa altura em que pais, crianças e jovens adultos com perturbações de desenvolvimento intelectual, como trissomia ou autismo, não encontravam resposta na sociedade para a capacidade e potencial de autonomia dos seus filhos.
É uma realidade que preocupa, uma angústia de todas as famílias, quando os filhos começam a chegar ao final da idade escolar e os pais pensam no que é que o seu filho vai fazer depois da escola.
Um convite por parte da filha da Doutora Eulália Calado - Neuro-pediatra muito conhecida na área da paralisia cerebral, e que acompanhou a vida de jovens adultos no processo de transição da escola para a vida ativa - levou à criação de um grupo que quis descobrir o que é que fazia falta na resposta que hoje é dada e de que forma é que poderíamos ser complementares ou alternativos à resposta existente.
Há um abismo enorme entre a transição da escola para a vida ativa em pessoas que têm potencial de autonomia, e a resposta que é dada a pessoas que também acabam a escola e que não têm, infelizmente, esse potencial. Há uma negligência enorme, qualquer coisa que puxa muito por nós.
Na altura em que criámos a associação, eu tinha acabado de entrar neste mundo, por motivos pessoais. Não sabia nada, e acho que isso foi uma vantagem e continua a ser: quem está de fora, vê a realidade da perspetiva social. E isso mexeu muito comigo.
Comecei a dar mais tempo a este projeto, a interessar-me mais. Fui buscar números para sustentar este problema social que estávamos a tentar ajudar a resolver. Aquilo que mexeu mais comigo foi o facto de cerca de 3 mil jovens que estão a terminar a escola, só no distrito de Lisboa, não terem uma resposta adequada ao seu processo de maturação, para poderem crescer e para se tornarem profissionais.
Até se faz um trabalho de tentativa de integração na vida autónoma e ativa - aprender a andar de transportes, por exemplo - há uma série de iniciativas hoje suportadas pelo estado, enquanto estas pessoas estão na escola, e depois regride. Porquê?
Faltando essas respostas, estas pessoas acabam por ir parar aos centros ocupacionais, fazer atividades de ocupação de tempos livres. Nestes centros, encontramos pessoas que, devido à profundidade do seu grau de incapacidade, não teriam capacidade para poderem ter uma profissão. Mas também encontramos pessoas que se sentem deslocadas.
Alguns pais até se desempregam porque sabem que os filhos têm capacidade para fazer mais do que estar num centro de atividades ocupacionais. E então vem toda a bola de neve do desemprego, da dependência de subsídios e todos os problemas sociais que vêm daí.
Casos que poderão ter um bocadinho mais de potencial, são indicados para projetos de formação profissional, que capacitam pessoas em várias áreas. Mas, mesmo isso, acaba por ser vivido fora da comunidade, em contextos protegidos, que fazem com que a pessoa, quando tenta entrar no mercado de trabalho, muitas vezes não tenha sucesso, porque falta toda a base da competência do saber ser, do saber estar, do estar a horas, do apresentar-se como deve ser, de saber olhar nos olhos.
Há instituições incríveis no trabalho que têm feito, mas achámos que era importante trabalharmos em rede com estas instituições para encontrar respostas que possam ser mais adequadas a este potencial de autonomia.
A VilacomVida nasceu para aproximar a sociedade da diferença para poder criar pretextos naturais, positivos e regulares. Para as pessoas conhecerem esta realidade e lembrarem-se mais dela no seu dia a dia. Estes jovens também são super-heróis, não estamos a infantilizar. São pessoas que têm talentos dentro de si, que muitos nem conhecem porque a sociedade ainda não está muito orientada para a realidade como ela é.
Todas as atividades de formação e capacitação em contexto de trabalho são inclusivas. Temos desenvolvido, também com outras empresas, programas de inserção e de integração profissional destas pessoas, que estão preparadas para o mercado de trabalho, e ajudamos as empresas a fazer essa integração.
Na base de tudo isto está o MIVA – Modelo de Intervenção para a Vida Autónoma – constituído por 3 programas que acompanham o percurso dos jovens com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento, desde o final do seu percurso escolar até à entrada no mercado de trabalho e durante esse percurso profissional.
Também temos o projeto Café Joyeux: a primeira família de cafés e restaurantes inclusivos e solidários que emprega para formar pessoas com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento. Potencia este conhecimento da sociedade sobre a diferença e vice-versa, através de uma carta deliciosa, feita de pequenos-almoços, almoços e refeições saudáveis, produzidas no local por estes jovens.
Neste momento, estamos a acompanhar a integração profissional de 45 jovens adultos. Por cada Café Joyeux, pretendemos empregar para formar cerca de 10 jovens adultos nestas condições.
O Santander desde o princípio que apoiou este conceito de restauração inclusiva, seja o Café Joyeux, seja o Café com Vida. Sempre acreditou que estávamos no caminho certo de formação e de ligação da sociedade à diferença. O Santander, como um banco próximo das pessoas, considerou interessante poder apoiar um projeto como este: primeiro com o donativo participativo, depois em necessidades pontuais que foram surgindo ao longo do caminho, o banco sempre nos abriu a porta.
Para os próximos anos em que pretendemos cumprir o plano de expansão sustentável do Café Joyeux, temos de começar com parceiros de raiz. O Santander, com muita alegria, vai apoiar financeiramente este projeto durante os próximos 3 a 5 anos. Para além disso, também está com vontade de constituir uma parceria na área da empregabilidade para estas pessoas, junto dos seus clientes empresa.
Nos próximos 5 a 6 anos, gostaríamos de cumprir com o nosso objetivo de ter 5 a 6 cafés abertos, empregando cerca de 60 pessoas nos Cafés Joyeux. Mais tantos outros jovens adultos em formação que podem fazer parte dos eventos que o Café Joyeux vai proporcionar.
No total, em 5 anos, queremos impactar cerca de 100 pessoas com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento. Não só através dos Cafés Joyeux, mas noutros processos de empregabilidade que vamos acompanhando noutras empresas.
Queremos que tudo isto seja o mesmo mundo, para dar corpo à nossa visão: um dia, a diferença já não se vê, pois fará genuinamente parte de nós.