Estivemos à conversa com Mariana Madeira Rodrigues, da Associação Terra dos Sonhos.
Esta organização sem fins lucrativos pretende promover todas as dimensões do bem-estar de quem está mais vulnerável, desde uma criança com uma doença grave, um jovem em acolhimento longe da sua família, ou um adulto com doença crónica.
Saiba mais sobre os sonhos que estão a ser realizados em terradossonhos.org.
A Terra dos Sonhos é uma organização que existe para apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade, em situações muito distintas e de idades muito diversas. Ajuda a sonhar, não só com o possível, mas também com o improvável.
A organização tirou algo positivo da pandemia: estávamos a fazer um caminho de reflexão estratégica sobre o que é que queríamos que a Terra dos Sonhos fosse em 2021. Acabámos por perceber que fazíamos muita coisa e queríamos fazer menos coisas, mas com mais impacto.
A Terra dos Sonhos foi fundada em 2007, para promover o bem-estar emocional, a que hoje em dia chamamos bem-estar holístico. Hoje em dia está muito na moda este tema, mas na altura não se falava.
A organização surgiu do sonho do seu fundador, Frederico Fezas Vital, que queria promover o bem-estar emocional e começou por vidas especialmente vulneráveis: crianças e jovens com doença crónica grave ou em fim de vida.
Qualquer pessoa que entra na casa da Terra dos Sonhos sente-se, de alguma maneira, inspirada. E nós próprios, equipas, queremos mudar o mundo a toda a gente que nos entra por aquela porta adentro. Então, foi muito fácil a Terra dos Sonhos crescer e abranger outros públicos. Em 2018, depois de uma reflexão estratégica, concentrámos a nossa atuação em 3 programas.
Está no DNA da Terra dos Sonhos e surge logo no início. É um programa para crianças e jovens que sofrem de uma doença grave, eventualmente em fim de vida, e para os seus cuidadores.
Realizamos os sonhos destas crianças, descobrimos sempre de uma maneira disfarçada. A família sabe, mas a criança nunca sabe, e o que tentamos promover é o momento inspiracional em que a crença do impossível cai e a criança consegue ter mais esperança e acreditar que pode ultrapassar a doença ou que coisas que ela achava que não eram possíveis de acontecer, acontecem.
Fazemos acontecer tudo. Mesmo ir à lua, que hoje em dia, se calhar, já é possível, mas que há uns anos atrás não era possível. Agora em pandemia, por exemplo, as viagens não eram possíveis, e nós tentamos transportar alguma coisa desse sonho de ir a algum sítio.
Os sonhos são muitos diversos. O primeiro sonho que realizámos em pandemia, lembro-me perfeitamente. Estava em casa há um mês e tal e já me parecia uma eternidade - se calhar, como a todos nós. Percebemos que íamos realizar o sonho de uma miúda que estava há 7 anos em casa, só saía para ir ao hospital. Tinha uma imunidade muito comprometida porque estava à espera de um transplante de pulmão.
A pandemia, para ela, foi favorável neste aspeto: foi a primeira vez, em muitos anos, que ela teve aulas com colegas. Porque ela não tinha essa oportunidade. Tinha aulas - é uma excelente aluna, na altura estava no 11.º ano e quer ser médica - mas com uma grande limitação e passou a estar online com os outros colegas todos, coisa que nunca tinha acontecido.
Entretanto, começámos a realizar alguns sonhos a crianças e jovens em acolhimento: uma realidade também muito dura. São crianças que já passaram por muito, que são retiradas às suas famílias de origem - é necessário, às vezes, mas é uma grande violência.
Proporcionamos sessões de capacitação, gestão das emoções, autoconhecimento, comunicação saudável e relacionamentos positivos. O objetivo é capacitar a sua saúde emocional, tentar levar esperança e tentar que percebam que, qualquer que seja a sua circunstância de vida – que é isso que nós acreditamos na Terra dos Sonhos – e por mais difícil que tenha sido o seu começo, pode estar nas suas mãos mudar.
O We Guide surge da experiência de vida da atual presidente da Terra dos Sonhos, Madalena D’Orey. A Madalena foi diagnosticada com um cancro muito agressivo aos 11 anos. Tinha um prognóstico muito complicado, mas acabou por ultrapassar a doença, embora tenha passado a sua adolescência no IPO. A Madalena acabou por tirar o seu curso, trabalhou algum tempo, e depois resolveu dedicar a sua vida a acompanhar pessoas diagnosticadas com cancro.
Nós sabemos, intuitivamente, o que é que fazemos. Sentimos, nas vidas que nos vão passando pelas mãos, que ajudamos. É essa a nossa missão e é isso que nos enche. Nós podemos sentir que estamos a fazer a diferença na vida de uma pessoa, mas é preciso provar. Queríamos medir o impacto que o Guia em Saúde tem na vida de uma pessoa que é diagnosticada com cancro.
Para isso, contamos com uma equipa de oncologia do Hospital Santa Maria, que sugeriu fazer um ensaio clínico. Em vez de medirmos o que acontece num grupo de controlo que não toma um fármaco e noutro que toma, nós estamos a medir o que acontece à qualidade de vida dos doentes que são acompanhados pelo Guia em Saúde e do grupo de controlo que não é acompanhado. A equipa clínica do IPO também se juntou a este ensaio clínico, e estamos a medir este indicador em doentes de cancro colo-retal.
O Santander é o nosso parceiro há vários anos. É aquele parceiro em quem sabemos que podemos contar para o ano que vem. Neste mundo da economia social, muitas vezes, temos de gerir o curto prazo, o que para mim em termos de gestão é um erro. É muito menos potenciador do que se conseguíssemos gerir a mais longo prazo.
Vivemos neste mundo incerto e caótico, com uma velocidade enorme, e é normal não podermos prever. Mas é sempre importante podermos saber o nosso caminho e sabemos que podemos contar com o Santander para o ano. Já há vários anos que nos apoia com uma verba anual e também com outras iniciativas, portanto é um parceiro muito importante para a Terra dos Sonhos.
A Terra dos Sonhos já mudou a vida de cerca de 6 mil pessoas. É uma conquista de todos os diretores executivos que precederam, da equipa que me precedeu, e nunca se faz nada sozinho. Dizemos várias vezes na Terra dos Sonhos: “se queres ir rápido, vai sozinho; se queres ir longe, vai acompanhado”. Porque, às vezes, no dia a dia, é mais fácil ir e não parar para envolver. Nós, muitas vezes, vamos com o coração mesmo cheio para casa. Eu sinto isso e acho que isso é transversal à equipa. É uma conquista de muitos anos que sabe a coração cheio.
Aquilo que sonho mesmo é estar sempre com esta consciência de que a vida é sobre aquilo que ela própria nos vai pedindo. Tento não me descentrar muito nem cair em caminhos que, às vezes, até podem ser muito apelativos, mas não são aquilo que a vida verdadeiramente me pede. Embora tenha muitos sonhos específicos, sempre fui muito sonhadora. Mas também aprendi com a vida que não pode ser só sonho: tem de se ter os pés na terra.