Inflação, taxas de juro e de retorno: dicas de como e onde aplicar as suas poupanças sem perder poder de compra.
A inibição de consumo resultante das restrições impostas durante a crise pandémica contribuiu para um aumento forçado e temporário da taxa de poupança das famílias portuguesas, mas numa tendência que se começou a inverter, a partir do 2.º trimestre de 2021. Atualmente, a taxa de poupança já está nos níveis pré-pandemia.
Por outro lado, o contexto global é hoje diferente. Depois de mais de uma década de baixa inflação e de taxas de juro negativas, a inflação acelerou para máximos dos anos 1990 e as taxas de juro voltaram a terreno positivo.
Neste contexto, que estratégias devem ser seguidas pelas famílias para aplicar as suas poupanças?
As taxas de juro são o principal instrumento utilizado pelos bancos centrais para gerir os riscos de inflação. Na última década, a inflação esteve muito baixa e existiam riscos de que a inflação pudesse ser negativa. Em reação, os bancos centrais baixaram as taxas de juro de referência para zero e adotaram medidas não convencionais adicionais, como a aquisição de dívida pública e a injeção de liquidez, o que contribuiu para conduzir as taxas de juro para mínimos absolutos históricos, inclusive com níveis negativos.
Quando os preços estão a subir com demasiada rapidez – ou seja, quando a inflação é demasiado elevada – o aumento das taxas de juro é uma forma de tentar reduzir a inflação. O objetivo passa por assegurar que a inflação permaneça baixa, estável e previsível, situando-se idealmente nos 2% a médio prazo.
Em 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a inflação acelerou muito rapidamente, para os valores mais elevados em quase três décadas (acima de 9%), fruto das perturbações nas cadeias de valor e do choque energético subsequente, pelo que o Banco Central Europeu reagiu com uma subida pronunciada das taxas de juro em quase 4 pontos percentuais, para travar uma espiral inflacionista.
Atualmente (15 de junho), a inflação está já a desacelerar (embora permaneça ainda demasiado elevada, acima do objetivo) e o Banco Central Europeu sinaliza que, apesar de as taxas de juro ainda poderem subir, o ciclo já estará próximo do seu termo, mas as taxas deverão permanecer elevadas durante um período de tempo relevante.
A subida das taxas de juro de referência pelo BCE tem reflexos ao nível das taxas ativas (taxas pagas por um crédito) assim como nas passivas (taxas remuneradas aos clientes pelos depósitos que têm junto dos bancos). Este ciclo está ser ligeiramente diferente, pois as taxas de juro dos depósitos têm subido de forma mais gradual.
As famílias, contudo, continuam a dispor de alternativas de aplicação das suas poupanças.
O contexto de taxas de juro mais elevadas permite uma oferta de alternativas de aforro de mais longo prazo (fundos de investimento, seguros financeiros) por contraponto aos depósitos bancários.
Por outro lado, as famílias podem – e já o estão a fazer – efetuar aplicações em produtos de aforro do Estado, como os certificados de aforro, que estão a apresentar uma remuneração mais elevada (pois está indexada à taxa de juro Euribor 3 meses).
Adicionalmente, podem optar, não pela constituição de ativos financeiros, mas pela redução de passivos financeiros (créditos) – dinâmica que está também em curso. Efetivamente, como o crédito hipotecário está indexado à taxa Euribor, na maior parte dos casos, há famílias que estão já a amortizar parcialmente os seus empréstimos, com um custo superior a 4%, como alternativa a ter uma remuneração inferior a esse nível.
Como as preferências das famílias são bastante variadas, relativamente ao perfil de risco e objetivos de rentabilidade, há também muitas famílias que continuam a preferir a segurança à remuneração, optando por manter o dinheiro nas suas contas à ordem ou em aplicações de capital garantido (que proporcionam retornos mais baixos).
O problema é que num contexto de inflação mais elevada, uma baixa remuneração da poupança pode implicar uma perda de valor. Porquê?
Uma das funções do dinheiro consiste em ser uma reserva de valor. Isto significa que o dinheiro é um ativo que é usado para “transportar” valor de hoje para o futuro, daí dizermos que poupar significa deixar de consumir hoje para consumir no futuro. Por exemplo, poupamos hoje €100 para gastar os mesmos €100 dentro de 1 ano. Mas será que estes €100 permitem comprar os mesmos bens e serviços que os €100 de hoje?
Como tem percebido no seu dia a dia, os bens e serviços estão mais caros, pelo efeito da inflação. Significa isto que o seu dinheiro perde valor, ou seja, à medida que o tempo passa os mesmos € 100 euros já não compram os mesmos bens e serviços. Para manter o poder de compra, temos de aplicar o dinheiro e obter retornos pelo menos iguais à taxa de inflação. Esta situação assume especial relevância no atual contexto em que a inflação permanece elevada.
Para facilitar a sua análise, pense nos conceitos de taxa de retorno:
Como percebemos, a taxa de retorno real é a taxa que deve interessar aos aforradores, na medida em que é aquela taxa que nos indica o ganho (ou perda) de poder de compra.
Portanto, mesmo num cenário de taxas de juro elevadas, pode ocorrer que a remuneração nominal seja inferior à inflação. Mas, habitualmente, esta é uma situação transitória, ou seja, quando a inflação acelera muito rapidamente é possível que fique acima das taxas de juro.
Numa visão de médio e longo prazo, a teoria económica diz-nos que deveremos ter uma situação em que a taxa de juro é superior à taxa de inflação. Contudo, a intervenção dos bancos centrais na última década veio mostrar que isso pode não ocorrer sempre.
Deste modo, se percebemos que o dinheiro também desvaloriza, saberemos que ter poupanças aplicadas em aplicações sem qualquer rentabilidade pode ser arriscado, porque podemos perder poder de compra, mesmo que mantenhamos o valor nominal que aplicámos inicialmente.
Isto não significa que não deveremos colocar dinheiro em instrumentos de poupança tradicionais, especialmente se falarmos dos fundos que temos para fazer face a emergências.
Significa, antes, que temos de ser mais criteriosos quando pensamos a nossa estratégia de aforro, pensando em diferentes instrumentos e em diferentes prazos de aplicação, numa estratégia de diversificação.
Significa, por isso, que teremos de considerar outras alternativas de investimento, como os fundos de investimento, os seguros financeiros ou os planos poupança reforma (que têm benefícios fiscais que podem ser muito relevantes). Nesta opção de aplicação da poupança importa ter presente o risco, liquidez e horizonte temporal para fazer uma escolha adequada que permita uma acumulação de património no médio e longo prazo sem perda de poder de compra.
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